É a guerra das maquininhas
Celso Ming e Guilherme Guerra, O Estado de S.Paulo
27 de julho de 2019 | 20h00
Como a imprensa especializada vem relatando, corre uma guerra por trás de cada máquina de cartão de débito e crédito do País. De um lado do front, as líderes de mercado Rede (do Itaú), Cielo (Banco do Brasil e Bradesco) e Getnet (Santander). Do outro, estão novatas, como PagSeguro, Stone e Mercado Pago. O motivo da disputa é territorial: a conquista do estabelecimento comercial do lojista, do microempreendedor ou mesmo de uma franquia popular.
O consumidor pode ter a impressão de que essa é “uma briga só deles”. Não é. Ele pode tirar algum proveito dela.
A disputa chega a tais proporções que é comum encontrar um caixa com duas, três ou mais maquininhas de marcas diferentes. Esse exagero aparente é o jeito encontrado para adaptar a forma de pagamento a cada modalidade escolhida pelo cliente (se é débito ou crédito; se à vista ou parcelado), beneficiando-se da vantagem que cada empresa de aparelhinho oferece ao lojista cuja fidelidade pretende conquistar. O consumidor pode não notar, mas as empresas estão atentas a cada reação do comerciante nesse conflito.
O estopim para o conflito aconteceu em 2010, quando o Banco Central quebrou o duopólio então mantido pelas empresas Rede e Cielo, o que permitiu a entrada de novos concorrentes no mercado, as chamadas fintechs (startups de finanças). Estas incomodaram a velha guarda com estratégias ousadas, como a venda de maquininhas – e não fornecidas por aluguel, como se fazia. Ofereceram redução do desconto cobrado do lojista em cada transação e dispensaram a obrigação de manter uma conta bancária, por meio da qual pudesse receber o valor devido.
Para o contra-ataque, os administradores anteriores de cartões, comandados pelos principais bancos, usaram sua força econômica para tentar neutralizar as novatas com táticas agressivas destinadas a garantir aumento de participação no mercado, ainda que com redução da margem de lucro.
Esta é uma guerra em grande escala. A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) conta com 50 emissoras de cartões, 20 credenciadoras e mais de 200 fintechs, bem como 100% de capilaridade do setor no território brasileiro.
A associação calcula que, em 2018, R$ 1,55 trilhão tenha sido transacionado por cartões, o que dá 35,8 mil transações por minuto. Essa nova forma de compra correspondeu a 38,3% do consumo das famílias no último trimestre do ano passado. Para este ano, espera-se faturamento nesse segmento de R$ 1,80 trilhão, seguindo a tendência de crescimento do setor (veja o gráfico).
E o consumidor?
Mas, afinal, como é que o consumidor comum, aquele que passa o cartão, pode tirar vantagem dessa guerra? O diretor executivo da Abecs, Ricardo de Barros Vieira, entende que, mais cedo ou mais tarde, a redução dos custos operacionais do comercianteacabará por ser repassada ao consumidor. Isso pode acontecer tanto pela redução das taxas de cobrança que recaem sobre cada transação quanto pela redução do prazo de reembolso para o lojista. Esta é uma questão-chave porque, no Brasil, o comerciante enfrenta uma demora de até 30 dias para receber o valor pago por um cliente na compra de uma mercadoria. No resto do mundo, o prazo médio são dois dias.
Sem regulação específica, o próprio mercado caminha pelo acirramento da concorrência, para adoção de prazos bem mais baixos ou, até mesmo, de reembolsos instantâneos, como os que já oferece o PagSeguro e, a partir do segundo semestre deste ano, oferecerá o Itaú com a plataforma iti.
Esse movimento de expansão é natural e vem em boa hora, afirma o sócio da consultoria Boanerges & Cia, especializada em varejo financeiro, Fabrício Winter, porque o mercado brasileiro ficou retraído por muito tempo. “Então, quando veio, veio com tudo”, diz.
:: Confira a tabela comparativa com 12 maquininhas
Essa guerra deve se intensificar, já que 54% dos empresários de pequenos negócios, de acordo com pesquisa feita pelo Sebrae em 2018, ainda não aceitam cartões. Portanto, há um imenso território para ser desbravado. Winter atenta para o fato de que muitos comerciantes ainda não têm acesso à internet, o que impede o uso das maquininhas. Então, há potencial para crescimento do setor e, consequentemente, para acirramento da concorrência – que parece não ter previsão de desfecho.